Sem franja, mas de laço e gola de guipura: o retrato de Beatriz Costa pintado por Malhoa (?)
Sem franja, mas de laço e gola de guipura:
o retrato de Beatriz Costa pintado por Malhoa (?)
“«… e de um retrato da Beatriz Costa enquanto criança pintado por Malhoa, sabe alguma coisa?» – perguntaram-me, assim de chofre, vai para uns oito anos.
De tal nunca houvera ouvido. E devo ter respondido torto, na linha do «não há bicho careta que não tenha sido modelo do Malhoa; fala-se no homem e aparecem logo meia dúzia deles; surdem mãos cheias de quadros vindos sabe-se lá donde; e mais a Alminhas do Purgatório de que toda a gente fala mas nunca ninguém viu…».
Que não! Que a Beatriz falava disso no Sem Papas na Língua…
«Só se for ali A Menina do Laço…» - atirei então, em jeito de chalaça.
- «Mas, e o cabelo?» - «Não está à espera que logo de ganapa tivesse a franjinha, ou está?» - «Parece que eram tranças…».
Pela mesma altura procurou-se também e com afinco por alguma fotografia onde Malhoa aparecesse de boina larga, daquelas à pintor parisiense dos desenhos animados. Há-as em cabelo, com chapéu, de feltro, de aba curta e aba larga, de palha, de quico, com boné, turbante e talvez até de fez… mas, de boina, nada!
A coisa ficou por aqui.[1]
Foi, contudo e como dizia o outro em Casablanca, «o início de uma bela amizade…».
São escassas as referências de outros autores[2] à provável existência do tal «retrato feito pelo Malhoa». E, em todas elas, a única fonte é exclusivamente a própria Beatriz Costa que, a propósito ou a despropósito, a isso se referiu em múltiplas ocasiões.
Na verdade, Beatriz Costa deixou-nos várias páginas onde aborda a estória que agora aqui nos traz. Desde logo nas Páginas das minhas Memórias, 1932 [3], debitadas com ela ainda fresca, aos 24 anos, e em vida de Malhoa acrescente-se; depois já com maior “liberdade literária”, aos 67 anos, em Sem Papas na Língua, 1975 [4]; e ainda nesse mesmo ano, numa memorável entrevista a Assis Pacheco [5].”
Junho, 2015. LBG.
[1] Ver: Leandro, Sandra, 2008, «Luz sobre Luz: José Malhoa (1855-1933)», in José Malhoa. Milano, Lisboa, Franco Maria Ricci, Arting Editores, p.113.
[2] Ver: Rosa, Vasco Medeiros, 2003, Fotobiografia de Beatriz Costa: Avenida da Liberdade. Lisboa,MediaLivros, p.49, 77 e 79.
[3] Beatriz Costa, 1932, in «Páginas das minhas Memórias», ao jeito de entrevista e publicadas na revista Cinéfilo, de Maio a Novembro de 1932, apud Rosa, Vasco Medeiros, 2003, op. cit., p.73 e seg.
[4] Costa, Beatriz, 1975, Sem Papas na Língua: Memórias. Lisboa, Publicações Europa-América.(Consultada a edição ilustrada e anotada por Vasco Rosa. Lisboa, Tugaland, 2007.)
[5] Fernando Assis Pacheco, 1975, entrevista «Beatriz Costa escritora de memórias: A embaixatriz dos saloios», in Diário de Lisboa, de 15 Dezembro 1975.